quarta-feira, 28 de julho de 2010

Penitente

Penitente

A igrejinha era um monumento à decrepitude. Ela havia sido bonita algum dia, sem dúvidas, mas a passagem inexorável do tempo descascara as paredes sólidas e apodrecido a madeira da porta. A escada em espiral estava sempre prestes a desabar. Mas havia algo ainda mais arruinado do quê a fachada da igreja – seu espírito. Sim, seu espírito, pois é inegável que construções tem uma presença própria que afeta aqueles que nelas entram. Uma casa, por exemplo, cujo espírito reconfortante é capaz de curar seus moradores. Mas o espírito da igrejinha estava... distorcido, apodrecido, podia-se dizer. Muitos anos antes, algo terrível havia acontecido.
Havia duas pequenas irmãs que visitavam a igreja todos os dias, com seus cabelos escuros como a noite e vestidinhos brancos de pureza incontestável. Era um bairro muito tranquilo, de modo que sempre iam às missas sozinhas e rezavam com um fervor jamais visto pelo pároco. Este era um homenzinho de baixa estatura e olhos penetrantes que, secretamente invejava as irmãs por nunca ter tido contato com o Divino, nem nos anos de seminário, nem depois, ao passo que elas se mostravam com o olhar sereno de quem ouve as vozes dos anjos e santos.
Um dia, as meninas saíram para a igreja e nunca mais voltaram. Desapareceram sem deixar vestígios. O cruel pároco foi capaz de manter a farsa por semanas, até sua repentina e não-explicada morte – certo dia, ele simplesmente tropeçou no interior da igreja, batendo a cabeça nas escadas. Não longe da igreja, a polícia conseguiu localizar os vestidos ensanguentados das meninas. Foi um escândalo. A frequencia na igreja diminui progressivamente, até que ninguém mais ia às missas.
Os únicos visitantes atuais da igrejinha – grupos de jovens que se reúnem no local para fumar, beber ou usar outras drogas mais pesadas – sempre relatam algo muito curioso. Durante as noites – dizem – eles vêem duas lindas garotinhas de cabelo preto a se esconder nos recantos das ruínas, nunca respondendo a chamados; outros falam de um homem baixinho a vagar, implorando com uma voz lamuriosa o perdão de duas gêmeas...
por A. Araújo "Peregrino"
tema sugerido pelo Café Samedi: http://cafesamedi.wordpress.com/

2 comentários:

Bruno Ribeiro disse...

Simples mais certeiro, encaixou perfeitamente com a sua escrita o tema.

Andréa disse...

Nossa.. confesso que me arrepiei..

Obg pela visita! Abraços!

http://meuprojetopiloto.blogspot.com/