Virada do Século
Ah! Este século que passou trouxe muitas mudanças maravilhosas! A regra de ouro de nossa civilização é aperfeiçoar. É a saúde perfeita e a transcendência dos limites do corpo. Hoje é dia 31 de dezembro de 3000, e Maurício Andrade dorme um sono transformador na mesa de cirurgia. Ele sonha com todos os tratamentos e cirurgias maravilhosas a que já se submeteu – pois neste nosso último século, tais tratamentos se tornaram tão baratos que famílias passando fome conseguem pagar as prestações. Maurício sonha com sua primeira cirurgia: um fígado artificial para substituir o fígado antigo, corroído pela hepatite. Tempos depois, ele fez outra cirurgia, e ganhou um novo coração. Esse novo coração é capaz de bombear sangue cerca de três vezes mais rápido que um coração normal: quando é preciso, ele é capaz de reagir muito mais rápido que os pobres mortais do século XXI. Os pulmões artificiais de Maurício são igualmente eficientes: ele parece uma máquina, incapaz de sentir cansaço e exaustão.
Pernas artificiais, mais resistentes. Ossos quase inquebráveis. Língua com uma maior concentração de papilas gustativas. Plásticas que lhe deram um rosto perfeito. Tratamentos de pele. Dentes brancos, que não retêm sujeira. Implantes que injetam drogas automaticamente em sua corrente sanguínea. Drogas que aumentam seu apetite e perfomance sexual. Chips que controlam toda a parafernalha tecnológica. Nas mãos dos médicos e máquinas habilidosos, Maurício é submetido a mais uma cirurgia: novos olhos. Os novos olhos de Maurício são capazes de enxergar cores que nem se sabia que existiam no século XXI. Uma visão melhor do quê qualquer outra que a natureza pudesse dar.
Maurício abre seus novos olhos, e observa o mundo com curiosidade. Ele olha para as construções a seu redor, as marcas inegáveis do poder e supremacia do homem sobre a natureza. Ele olha para suas mãos aperfeiçoadas e a vê em detalhes que animal algum conseguiria. Ao longe, vem voando uma pequena borboleta, cujas cores na verdade são bem diferentes das que nossos ancestrais viam, séculos atrás. Maurício é tomado então pela consciência terrível da existência, e seu coração se enche de pavor inevitável. De seu olho perfeito, cai uma lágrima solitária pela humanidade perdida.
por A. Araújo "Peregrino"


2 comentários:
Muito bom! A forma como a imagem serviu de critica social, gostei bastante de como você conduziu a história o/
Mto obg pela visita e pelo elogio, com relação ao seu texto, vou ler depois que escrever o meu.. =) Ainda não sei se conseguirei postar a tempo, mas volto aqui msm assim. Abraços!
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